Encaro o relógio e conto 60 segundos. Depois mais 60. E mais 60. Permaneço assim até esquecer quantas vezes contei 60 segundos. E não me pergunto o porquê de o estar fazendo. Simplesmente faço.
Os carros correm. O motorista do ônibus se irrita com a mulher que dirige o fiat uno e que parou o carro entre as duas faixas, sem deixar passagem. Alguém grita por ter sido quase atropelado. As pessoas andam, se atrasam pro trabalho, estudam, namoram, correm pro hospital. Tudo isso escuto acontecer lá embaixo, enquanto estou aqui, no décimo terceiro andar. Contando os segundos.
Olho pra pilha de livros amontoada do lado da minha cama: minhas pesquisa por fazer. Os sapatos jogados no chão. O cobertor caindo pra fora da cama. Roupas dobradas em cima do aparelho de DVD. Meu celular toca. Não levanto o braço, não desvio o olhar. Deixo tocar. Sinto o cheiro do shampoo que exala do meu cabelo molhado quando me movo na cama. Fecho o livro que tinha nas mãos.
Que roupa usar? Pra onde iria mesmo? Ah. Tenho que ir ao mercado. Certo. Na geladeira, só uma caixa de suco de uva. Penso antes de levantar.
Por onde tenho andado? Seria esse sentimento vazio, uma descoberta? Sozinha. Ninguém mais no apartamento. Sinto que minhas costas doem. Aperto a parte de cima do meu ombro esquerdo com minha mão direita. Quando foi que me tornei tão tensa...? E porquê?
Memórias me surgem, uma historia sem cronologia. Um caminho percorrido sem saber.
A vida. Era disso que eu tomava consciência. Da vida. Dos anos que passaram, das coisas que vivi. De tudo que aprendi sem perceber. Da ingenuidade, da felicidade que passou. Da consciência melancólica que ficou.
O tempo passa. O tempo todo. As pessoas ainda correm lá fora. Eu crio vincos no rosto dentro do quarto. As olheiras cresceram. Olho meu reflexo na televisão desligada. Há uma ruga de álcool na minha testa. Não a vi aparecer. Não percebi se aproximando. E agora é minha. Pra sempre minha. Me condenando, me recriminando, me julgando. Um marca com o poder de me desmascarar. De me deixar frágil. De revelar minhas fraquezas.
Me dizem que sou perfeita. Mas sei que tenho problemas demais. Penso demais. Os problemas aumentam. Escondo-os do mundo. Esqueço deles por alguns minutos, contando segundos. Lembro que existo. Que preciso ir ao mercado. Que tenho um emprego. Aulas na faculdade. Um namorado que me faz pensar demais. E estou contando segundos.
Perfeita.
Felicidade.
Gostaria que alguém me ensinasse.
Nenhum comentário:
Postar um comentário